Aprender. Verbo que
está conosco desde o início de nossa vida e que traz uma certa
mobilidade consigo: ninguém nasce sabendo tudo, assim como ninguém
morre sabendo tudo. No entanto, em nossa relação com a aprendizagem
e nesse processo que é a construção do conhecimento, vemos que
muitas vezes nossa vida é influenciada pelo fato de aprendermos ou
não. Nas crianças isso é ainda mais evidente, pois a relação
delas com a aprendizagem, por passarem grande parte do tempo dentro
da escola, influencia também na maneira como elas se sentem e se
comportam.
Jean Piaget descreve
o processo de desenvolvimento mental como sendo semelhante à
construção de um edifício, em que só é possível construir o
último andar caso os andares anteriores estejam construídos. A ação
de construir algo advém de uma necessidade imposta pelas
circunstâncias e faz com que um sujeito incorpore essa necessidade
que o mundo traz ao que já tem consigo e mais, modifique-se para que
esse mundo seja incorporado. O objetivo desses dois processos, que
são parte de uma mesma moeda, é atingir um equilíbrio.
Traduzindo: para
aprendermos, é necessário que inicialmente exista o desejo de
aprender e que nos modifiquemos a fim de alcançar esse objetivo.
Aprender envolve sempre um desequilíbrio inicial e uma
reestruturação a fim de encontrar o equilíbrio, que será sempre
superior ao estado que estávamos antes de haver essa necessidade. E
podemos ir além, muitas vezes essa nova forma de se acomodar¹ ao
mundo por meio da aprendizagem, o sujeito e, nesse caso, a criança,
é capaz de transpor essa mudança para outros aspectos da sua vida.
Podemos observar que
algumas crianças que apresentam dificuldades, sejam elas
transitórias ou caracterizadas por um transtorno de aprendizagem,
são aquelas taxadas como bagunceiras e arruaceiras, inclusive muitas
vezes demonstrando agressividade com os colegas. É comum também que
muitas vezes essas crianças apresentem baixa auto-estima, se
sentindo muito inferior aos seus colegas da classe, sendo muitas
vezes chamadas de burras ou preguiçosas, tanto por seus colegas,
quanto por seus pais ou professores. Então, o que podemos fazer?
Na prática clínica
observamos que a construção de uma nova relação com a
aprendizagem traz também a possibilidade de construir uma nova
relação com o mundo – a escola, os colegas e a família. Quando
as crianças se sentem capazes de ser diferentes com o que aprendem,
se sentem também competentes e confiantes com os ganhos que estão
tendo e com as coisas novas que são capazes de aprender. Elas passam
a ter não somente uma nova visão do ato de aprender, como também
uma nova visão de si mesmas. Sentir-se capaz é, de certa forma,
sentir-se bem consigo, fazendo com que nossos comportamentos possam
ser modificados e o mundo seja visto de outra forma, mais positiva.
Creio que, além disso, faz com que os desafios que aparecem, mesmo
que difíceis inicialmente, sejam vistos positivamente, como uma
possibilidade de ser ainda melhor.
Essa relação
positiva com a aprendizagem aparece não apenas nas crianças, como
também conosco, adultos. Quantas vezes nos sentimos incompetentes
por não conseguirmos fazer algo, ficamos tristes achando que as
outras pessoas são muito melhores que nós? O mundo nos coloca
dificuldades o tempo inteiro, muitas vezes nos trazendo angústia e
tristeza. Quando vemos que somos capazes de superar essas
dificuldades, atingindo um nível superior ao que estávamos antes,
vemos também o quanto valeu a pena sofrer, pois superamos
obstáculos. E conseguir superar obstáculos é, certamente, uma
forma de sentir-se seguro e confiante, construindo uma nova visão de
si e do mundo.
Nesse Dia do
Psicólogo, gostaria de encerrar parafraseando a fala de uma paciente minha:
“Você complica a
minha vida, mas eu gosto... Assim eu sei que posso ficar melhor”.
Espero que tenham
uma ótima semana!
¹ Acomodação:
termo utilizado por Piaget para designar o processo de mudança de si
para que o sujeito possa assimilar². Esse conceito é diferente do uso comum da palavra acomodar que denota estagnação. Acomodar para Piaget está relacionado à mudança, ao movimento que o sujeito precisa fazer.
² Assimilação:
incorporação de uma ação à estrutura do sujeito
Referência:
PIAGET, J. Six
Études de Psychologie. Genève: Gonthier, 1964. [Seis Estudos de
Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1967]