terça-feira, 27 de agosto de 2013

As Implicações Terapêuticas do Aprender

Aprender. Verbo que está conosco desde o início de nossa vida e que traz uma certa mobilidade consigo: ninguém nasce sabendo tudo, assim como ninguém morre sabendo tudo. No entanto, em nossa relação com a aprendizagem e nesse processo que é a construção do conhecimento, vemos que muitas vezes nossa vida é influenciada pelo fato de aprendermos ou não. Nas crianças isso é ainda mais evidente, pois a relação delas com a aprendizagem, por passarem grande parte do tempo dentro da escola, influencia também na maneira como elas se sentem e se comportam.




Jean Piaget descreve o processo de desenvolvimento mental como sendo semelhante à construção de um edifício, em que só é possível construir o último andar caso os andares anteriores estejam construídos. A ação de construir algo advém de uma necessidade imposta pelas circunstâncias e faz com que um sujeito incorpore essa necessidade que o mundo traz ao que já tem consigo e mais, modifique-se para que esse mundo seja incorporado. O objetivo desses dois processos, que são parte de uma mesma moeda, é atingir um equilíbrio.

Traduzindo: para aprendermos, é necessário que inicialmente exista o desejo de aprender e que nos modifiquemos a fim de alcançar esse objetivo. Aprender envolve sempre um desequilíbrio inicial e uma reestruturação a fim de encontrar o equilíbrio, que será sempre superior ao estado que estávamos antes de haver essa necessidade. E podemos ir além, muitas vezes essa nova forma de se acomodar¹ ao mundo por meio da aprendizagem, o sujeito e, nesse caso, a criança, é capaz de transpor essa mudança para outros aspectos da sua vida.

Podemos observar que algumas crianças que apresentam dificuldades, sejam elas transitórias ou caracterizadas por um transtorno de aprendizagem, são aquelas taxadas como bagunceiras e arruaceiras, inclusive muitas vezes demonstrando agressividade com os colegas. É comum também que muitas vezes essas crianças apresentem baixa auto-estima, se sentindo muito inferior aos seus colegas da classe, sendo muitas vezes chamadas de burras ou preguiçosas, tanto por seus colegas, quanto por seus pais ou professores. Então, o que podemos fazer?

Na prática clínica observamos que a construção de uma nova relação com a aprendizagem traz também a possibilidade de construir uma nova relação com o mundo – a escola, os colegas e a família. Quando as crianças se sentem capazes de ser diferentes com o que aprendem, se sentem também competentes e confiantes com os ganhos que estão tendo e com as coisas novas que são capazes de aprender. Elas passam a ter não somente uma nova visão do ato de aprender, como também uma nova visão de si mesmas. Sentir-se capaz é, de certa forma, sentir-se bem consigo, fazendo com que nossos comportamentos possam ser modificados e o mundo seja visto de outra forma, mais positiva. Creio que, além disso, faz com que os desafios que aparecem, mesmo que difíceis inicialmente, sejam vistos positivamente, como uma possibilidade de ser ainda melhor.

Essa relação positiva com a aprendizagem aparece não apenas nas crianças, como também conosco, adultos. Quantas vezes nos sentimos incompetentes por não conseguirmos fazer algo, ficamos tristes achando que as outras pessoas são muito melhores que nós? O mundo nos coloca dificuldades o tempo inteiro, muitas vezes nos trazendo angústia e tristeza. Quando vemos que somos capazes de superar essas dificuldades, atingindo um nível superior ao que estávamos antes, vemos também o quanto valeu a pena sofrer, pois superamos obstáculos. E conseguir superar obstáculos é, certamente, uma forma de sentir-se seguro e confiante, construindo uma nova visão de si e do mundo.

Nesse Dia do Psicólogo, gostaria de encerrar parafraseando a fala de uma paciente minha:
Você complica a minha vida, mas eu gosto... Assim eu sei que posso ficar melhor”.

Espero que tenham uma ótima semana!


¹ Acomodação: termo utilizado por Piaget para designar o processo de mudança de si para que o sujeito possa assimilar². Esse conceito é diferente do uso comum da palavra acomodar que denota estagnação. Acomodar para Piaget está relacionado à mudança, ao movimento que o sujeito precisa fazer.
² Assimilação: incorporação de uma ação à estrutura do sujeito

Referência:

PIAGET, J. Six Études de Psychologie. Genève: Gonthier, 1964. [Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1967]